Psicologia: uma construção de conhecimento conjunta com a sociedade
- Milena Rossetti
- 29 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de fev. de 2021

Recentemente, um aluno me pediu para participar de seu podcast respondendo como vejo a Psicologia enquanto professora e profissional da área clínica.
A oportunidade foi interessante para expressar meu entendimento e visão da Psicologia como um espaço amplo de formulação de conhecimento. Uma ciência motivadora de várias influências que explicam determinados comportamentos e responde às ações aparentemente fora do controle do indivíduo.
A Psicologia é uma forma de construção de conhecimento científico que respeita ou tenta, por meio de seus operadores, construí-lo, de forma não metafísica e também de forma empírica, sempre verificando a validade e a fidedignidade daquilo que afirma. É uma prática que respeita os pressupostos da ciência, ainda que enfrentando algumas limitações, porque toda construção científica as enfrenta em algum momento. Quando nos deparamos com essas limitações, em qualquer tipo de pesquisa que posteriormente venha referendar a prática profissional, não significa que encontramos uma porta fechada.
Sendo uma área de conhecimento, independente da sua linha de trabalho, pesquisa ou atuação, a Psicologia nos permite construir pensamentos continuamente. Se nos deparamos com limitações, sabemos que estes são caminhos que devem ainda serem trilhados, eventos que ainda precisam ser revistos, estudados para construirmos novos conhecimentos ou para que se reformule aqueles vigentes até então.
Desde a época da minha graduação, a ideia de construção contínua e democrática foi sempre fascinante para mim. Democrática porque não é só seguir um conjunto de procedimentos, mas publicar seus estudos seja por artigos científicos seja por meio de livros, congressos, eventos na área, ou comunicados informais à sociedade. A missão é pesquisar, tratar, curar e comunicar. E, ao fazer isso, comunicamos também não só o sucesso de uma pesquisa, mas também os erros e aquilo que precisa ser melhorado em estudos futuros.
É um caminho que nunca se fecha, nunca se limita ao apontar possibilidades futuras. Isso é fascinante. Somado a isso, é impressionante como as informações apuradas pela Psicologia tornam-se de domínio público e são estudadas e praticadas por muitos outros psicólogos em várias regiões do país, além de também transitar internacionalmente. Assim como o que produzimos aqui ganha o mundo, nós também obtemos informações de pesquisas criadas em outros países que se depararam com alguns fenômenos antes de nós ou ao mesmo tempo, são compartilhadas internacionalmente a fim de produzir e compartilhar conhecimento em ciência.
Com isso, vivemos uma eterna e constante necessidade de atualização para o exercício da Psicologia. Um desafio para cada profissional também em seu âmbito pessoal, porque você nunca encontra uma zona de conforto. Mas esse desafio constante e a necessidade de atualização profissional, numa sociedade vibrante que não para nunca, também pode ser revigorante.
Uma vez que o psicólogo acumula muitos conhecimentos aos longos dos anos, alguns deles tornam-se úteis também em sua vida pessoal. E claro, enquanto um profissional, você estuda e se apropria de todo esse conhecimento produzido pela Psicologia, uma área inacabada da ciência que se recicla muito, já que não é um dogma. Se o fosse, não haveria o porquê de nos questionarmos sobre alguns procedimentos e ampliarmos algumas teorias. Poderíamos ficar com modelos explicativos eternos, mas não é isso que acontece em razão do caráter científico da Psicologia.
Esta é uma prática que se auto questiona e trabalha com o conceito de tese e antítese, de argumentos opostos, que mostra a necessidade de se avançar e pesquisar sempre mais. Tudo é muito dinâmico e complexo e chega até a causar uma certa angústia e aflição entre alguns alunos em início de graduação. Muitas vezes, eles trazem uma ideia não consciente de que a Psicologia traz as respostas para os enigmas da subjetividade e psique humana.
É frustrante quando esse aluno entende que a Psicologia busca a alteridade, o respeito por diferentes linhas e modelos teóricos. É uma ciência que requer desde o início da graduação que o aluno desenvolva sua capacidade intelectual e flexibilidade cognitiva.
Experiência
Quando pensei em estudar Psicologia entendi essa escolha como meu maior projeto de vida. Até hoje, luto diariamente para que minha profissão continue ocupando esse espaço. Lembro que, jovem, em início de carreira e antes de investir no meu projeto familiar de filhos, eu me realizei muito ao longo dos anos oferecendo meus valores cristãos de fraternidade e aceitação das diferenças através das possibilidades de ações sociais e estudos proporcionados pela Psicologia.
Aquela educação religiosa de minha infância me faz pensar em solidariedade, amor ao próximo, e respeito mútuo ao sofrimento das pessoas, experiências muito fortes para mim. E a Psicologia me permite colocar esses meus valores pessoais em prática em benefício das pessoas.
No entanto, eu sempre marco uma fronteira para que os aspectos dogmáticos da religião e minha prática da Psicologia não se misturem. A religião me ajuda a atribuir significados à vida desde cedo, mas com base em dogmas. Enquanto que a Psicologia é baseada na abertura para o pensamento crítico.
Se você entender bem a estrutura dessas duas formas de saber, consegue distingui-las e segue em frente. E eu faço essa distinção, tanto na área clínica que atuo em meu consultório quanto ao exercício acadêmico como professora universitária. Tento trazer essa contribuição para os alunos diariamente. Não é preciso escolher uma coisa ou outra. Entenda que, ao optar pela formação profissional em Psicologia, aceitamos nos habilitar para uma prática técnico-científica.
Pessoal
Minha vontade de continuar dando aulas ou atendendo pacientes em consultório, mesmo aqueles que não podem pagar, mas que precisem da minha compreensão e disponibilidade de horário, é algo muito efetivo em um momento em que eles enfrentam situações difíceis.
Poder me colocar à disposição para ajudar meus pacientes, pais e alunos é o que me motiva em tempos difíceis para a ciência e a construção de novos conhecimentos. Na atual conjuntura econômica-social do país, a prática da Psicologia tem momentos dolorosos e de inúmeros desafios.

A construção de saberes tem sido desprezada e mal reconhecida no Brasil, mas não desanimo porque minha motivação enquanto Psicóloga continua a de compartilhar o conhecimento adquirido desde minha graduação, e seguir sempre adiante.
Estou na minha terceira pós-graduação, depois de mestrado e doutorado, e apesar de não dispor da mesma energia física e tempo livre da juventude, ainda vejo como essencial sacrificar horas da minha vida pessoal e familiar para estudar e me aprofundar em temas que ajudam o bem-estar de pacientes e suas famílias. A melhora deles me faz ser muito grata pela oportunidade de contribuir com a prática da Psicologia.
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